Corpo de Santa Zita. Pesquisas recentes mostram que o ambiente proporcionou uma duração de sua incorrupção
Os Incorruptos
como são chamados, foram por muito tempo relíquias de alto valor dentro da
religião Católica. O costume começou na Europa durante a Idade Média. Os
europeus costumavam desenterrar os corpos dos que consideravam servos fiéis de
Deus neste mundo, para coletar relíquias, pedaços de ossos que eram expostos em
relicários pelo mundo inteiro. Ao desenterrar estes corpos em mosteiros,
cemitérios, igrejas, muitos corpos encontravam-se em perfeito estado de
conservação. O fenômeno era considerado um milagre do próprio Deus em honra da
santidade destas pessoas. Outros diziam que os corpos estavam incorruptos para
aguardarem a volta de Jesus, aonde ressuscitariam. Pessoas de todo mundo, têm
visitado igrejas contendo redomas de vidro com estes santos. Alguns exemplos
são São Vicente de Paula, Santa Bernadete, Santa Rita de Cássia. Muitos destes
cadáveres também são conhecidos por exalarem um forte odor, o que para muitos é
sinal de santidade. Por anos a Igreja Católica reconheceu a incorrupção como
prova de santidade.
Livros
inteiros dão destaque a este fenômeno. A ciência não satisfez muito com esta
explicação e resolveu investigar vários destes corpos. Heather Pringle e Roger
Webber são dos pesquisadores destes fenômenos. Webber conta o caso de uma
matrona da época vitoriana, encontrada incorrupta e que falecera em 1839.
Trajada com uma touca branca, ela contemplava o mundo com o rosto de quem não
queria partir. Os dois examinaram seu corpo, acostumados a encontrar caixões de
até 250 anos incorruptos. Esta senhora falecera na Inglaterra, local aonde não
se encontram muitos destes corpos. Quando eles e seus colegas escavaram o
túmulo, já haviam notado a umidade excessiva no local. A chave era mais
simples. Na época vitoriana, era comum famílias mais ricas pagarem pesadas
urnas de carvalho ou olmo, calafetadas com piche sueco, e revestidas por dentro
e por fora com chumbo pesado. Estes caixões eram tidos como indestrutíveis, mas
na maioria dos casos o chumbo oxigenava e sofria corrosão, eliminando assim
agentes de corrupção. Entretanto, se uma destas urnas era enterrada em um solo
com argila pesada, formava-se um vácuo a sua volta, lacrando o cadáver contra
água e outras bactérias responsáveis pelo apodrecimento do corpo.
Entre os
católicos zelosos, muitos cultos eram gerados em torno dos restos mortais de
seus santos. Tomás de Aquino dizia que o próprio Deus honra essas relíquias.
Santa Zita é um claro exemplo, após ter seu corpo exumado, católicos disseram
que cegos enxergavam, paralíticos andavam e várias pessoas eram curadas. O
corpo de Santa Zita não revela qualquer sinal de decomposição. Ezio Fulcheri é
perito em santos incorruptos, ou como ele prefere chamar, múmias dos santos.
Patologista, ele dirige um laboratório em um dos maiores e mais movimentados
hospitais da Europa. Fulcheri juntou-se com um egiptólogo chamado Monsignor
Gianfranco Nolli, inspetor do Museu Egípcio do Vaticano. Uma outra profissão
sua é trabalhar na causa dos supostos milagres atribuídos aos santos, incluindo
a incorrupção. Durante seu trabalho, Nolli foi chamado para que ele preservasse
o corpo do cardeal ucraniano Josef Slipyj. Transformando a cripta aonde Slipyj
estava enterrado em um laboratório, Fulcheri, Noli e mais uma equipe de 20
pesquisadores retiraram o corpo ainda intacto do cardeal. Seguindo os métodos
egípcios, a equipe removeu o cérebro, as vísceras e limpou as cavidades
internas do cardeal. Imergiram então o cadáver sobre um banho químico destinado
a deter a decomposição enzimática. Durante os 4 meses seguintes, a equipe
imergiu o cardeal em um série de soluções químicas, registrando cada passo com
fotografias. Após o processo, o corpo do cardeal foi levado para Lviv, capital
da Ucrânia, afim de ser canonizado.
Corpo do cardeal Josef Slipyj, embalsamado por Gianfranco Nolli e sua equipe. Apesar disto, seu corpo ainda é venerado e sua preservação é para os fiéis um sinal divino.
A tradição
popular européia de preservar seus corpos começou por volta do século XVII,
aonde anatomistas e químicos faziam experiências de preservação a curto prazo.
Mais para frente, Fulcheri foi novamente convidado para analisar o corpo de
Santa Margarida de Cortona, sepultada no século XIII e incorrupta desde então.
A congregação para doutrina da fé queria tratar de algumas falsas relíquias de
uma vez por todas. Fulcheri examinou todos os registros históricos e
eclesiásticos da época e fez uma descoberta interessante. Santa Margarida era
uma mulher admirável na sua cidade, e o povo de Cortona tinham a firme
determinação de preservar seu corpo, para que assim Deus pudesse continuar
operando milagres na cidade. Os que fizeram a preservação da santa, extrairam
seus órgãos internos e embebedaram sua pele com ungüentos e loções fragrantes.
Esses cristãos passavam vários ungüentos nos seus santos com preservativos
naturais e enrolavam-nos em panos de linho. Em 1697, por exemplo, um cirurgião
italiano deixou uma lista de 27 ervas e drogas que usou para preservar o corpo
de São Gregório Barbarigo.
Corpo de Santa Margarida de Cortona, uma outra mumificação da Idade Média
Outros casos
como o de Santa Zita, Santa Savina, estão incorruptos devido ao próprio local
em que foram sepultados. Em vez de cemitérios, estes santos deveriam descansar
mais próximos dos altares das igrejas, em criptas. As criptas eram escavadas em
solo frio ou forradas com pedra alcalina, um propício ambiente para a
mumificação. Quando retirados destas, a incorrupção começava a sair do previsto,
os corpos começavam a escurecer a apodrecerem, foi o caso de São Crispim. Após
ser retirado da urna, o corpo do santo começou a escurecer em poucas semanas. Hoje
ele está coberto por uma ‘’segunda capa ‘’feita de prata.
Redoma com o corpo de São Crispim. O fenômeno foi considerado um fiasco quando tentando manter a ideia dele estar incorrupto, mudaram-no de redoma e o corpo apodreceu. Uma urna de prata agora cobre a ideia de seu corpo estar supostamente incorrupto.
Santa Clara de
Assis foi outro caso de uma santa incorrupta por mais de 700 anos. A equipe de
Nolli, notou ao visitar a santa, que sua pele estava marrom e opaca. Nolli
conseguiu uma permissão para analisar o corpo da santa junto com Fulcheri e sua
equipe. Em lugar da pele macia, a equipe encontrou uma pele feita de couro, uma
máscara de prata e um manequim da santa feita do mesmo material. Dentro dele
estavam os ossos da santa reunidos com fios de prata, tecido e piche. As irmãs
clarissas não tiveram a intenção de enganar. Como adoravam a santa, pegaram
seus ossos e criaram um corpo a sua volta.
Santa Clara de Assis. Seu rosto é feito a partir de uma máscara de prata. Muito diferente de uma incorrupção que seria divina.
Um dos corpos
que mais é visitado no mundo é o de Santa Bernadete Soubirous. Seu corpo parece
estar dormindo totalmente intacto desde sua morte em 1879. O problema é que sua
incorrupção não é devido a mãos divinas. Seu rosto está coberto com uma mascara
de cera, assim como suas mãos. Quando
seu corpo ainda repousava numa redoma de vidro, ao ser retirado pela última vez
em 1925, começou a escurecer e incluindo uma costela da santa deslocou-se do
corpo, todo o corpo foi enfaixado. Seu nariz afundou-se no crânio, levando
assim a um novo processo para que a santa parecesse intacta e flácida.
Santa Bernadete parece repousar em um profundo sono. Este é moldado por inúmeros processos que incluem várias camadas de cera, o detalhe pode ser notado nas unhas.
João XXIII, o
doente Papa que teve forças para começar o Concílio Ecumênico Vaticano II,
também encontra-se exposto em uma redoma de vidro recebendo venerações diárias.
O caixão do papa permaneceu semanas debaixo d’água, após uma inundação em Roma.
O problema é que todos os papas são embalsamados, sendo assim, mostrá-lo como
um milagre é algo contraditório.
O Papa João XXIII não pode ser considerado incorrupto milagrosamente, pois todos os papas passam por processo de embalsamento. Mesmo assim, o ''santo'' é apresentado ao público.
Vários
exemplos mais simples são encontrados, como o corpo intacto do revolucionário e
herói russo Vladimir Lênin, que passa por processos anuais para sua
preservação. Múmias do deserto do Atacama na América Latina. A menina de Yde,
alterada pelo tempo e pelas substâncias químicas do pântano aonde foi
encontrada. Corpos de alpinistas dos Andes congelados pelo extremo frio. Influenciada,
talvez, por todas estas descobertas, a Igreja Católica deixou bastante de lado
a prática de mostrar aos fiéis seus santos aparentemente incorruptos. A
incorruptilidade não é mais aceita como forma de milagre para a canonização.
Corpo do revolucionário Vladimir Lênin. A sua incorrupção rende minuciosos trabalhos de embalsamento anuais.